sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O espírito





Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais, alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto."

O Espírito - Natália Correia



Dores de amor

Dores de amor é mal que não se evita,
Que não se corta, mal que não se doma.
Quando acontece, rouba, furta, toma
Toda alegria que num peito habita.

A partir dele tudo se conflita.
Tudo embolora, tudo perde o aroma.
Um mal que chega e ao primeiro sintoma
Um caos se desmorona n´alma aflita

Somente o tempo a este mal dá cura,
Mas entrementes, cola em nossos traços,
Profundas rugas, marcas da tortura,

De quando a dor delimitava espaços,
E quando sai deixa a triste figura,
De muitos sonhos feitos aos pedaços.

Jenário de Fátima




As tuas mãos prometeram-me o paraíso. Cego, gastei todos os meus recursos e perdi-me nas ruas sombrias que continuam a desaguar na tua ausência.
Faz frio e tenho medo do entardecer, arrepia-me a lembrança do tacto da tua pele e o espaço rec
ôndito onde não habitas. Tu já não sabes, mas o teu sorriso ausente permanece na memória infinita daquele mês de Maio como as palavras que se agarram às páginas dum livro. Ah! Como gostava de ser livro e metamorfosear-me por entre os sentimentos de quem escreve. 
Lá fora o azul enche cada poro do dia e eu aqui sentado nesta cadeira… vazio de ti.





francisco valverde arsénio

Se Me Esqueceres





Quero que saibas 
uma coisa. 

Sabes como é: 
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.

Pablo Neruda

AMOR AMÉRICA (1400)




Antes do chinó e do fraque
foram os rios, rios arteriais:
foram as cordilheiras, em cuja vaga puída
o condor ou a neve paceriam imóveis:


foi a umidade e a mata, o trovão
sem nome ainda, as pampas planetárias.

O homem terra foi, vasilha, pálbebra
de barro trêmulo, forma de argila,
foi cântaro caraíba, pedra chibcha*,
taça imperial ou sílica araucana**.
Terno e sangrento foi, porém no punho
de sua arma de cristal umidecido,
as iniciais da terra estavam
escritas.

Ninguém pôde
recordá-las depois: o vento
as esqueceu, o idioma da água
foi enterrado, as chaves perderam
ou se inundaram de silêncio ou sangue.
Não se perdeu a vida, irmãos pastorais.
Mas como uma rosa selvagem
caiu uma gota vermelha na floresta
e apagou-se uma lâmpada da terra.

PABLO NERUDA






Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.

Pablo Neruda

Por ti







José Manuel Brazão

Por ti
conquistarei
o Sol, a Lua,
a Vida!

Por ti
serei alegre,
romântico
e generoso!

Por ti
encontrei a Luz,
a paz,
a harmonia,
a serenidade!

Por ti
conquistei a felicidade!

Espelhos





Nomeei os espelhos um a um,
Onde a ternura reflecte a posse,
E a posse a luz da pele.

A tua beleza impõe-se
Naquele espelho impuro,
Onde as manchas do tempo
Desenham olhares subvertidos.

Aquele outro, qual felicidade
De uma égua ardendo,
Nas crinas flamejantes do vento.

E aquele, onde o sol se projecta,
Cegando de alegria os teus seios,
Acentuando neles uma auréola
Onde os lábios bebem a luz do leite.
A crueldade de teu jovem corpo
Perante o velho espelho de então.
-diamante riscando o último
Estertor do vidro.

Vejo ainda um último,
Em que a lua se projecta languidamente
Tangendo-te o véu diáfano
De todo o sortilégio da luz coada.

Joaquim MONTEIRO

Divina Comédia



ANTERO DE QUENTAL

Erguendo os braços para o céu distante
e apostrofando os deuses invisíveis,
os homens clamam: – Deuses impassíveis,
a quem serve o destino triunfante.

por que é que nos criastes?! Incessante
corre o tempo e só agora, inextinguíveis,
dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
do nada e do que ainda não existe,
ter ficado a dormir eternamente?

Por que é que para a dor nos evocastes?
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
dizem: – Homens, por que é que nos criastes?!

MUSA ( Pseudónimo )






 Para ti…

“Todas as noites acendo as estrelas para  ti.” Hamilton Afonso

Acende-se a noite com as estrelas dos teus olhos
e sinto que me pertencem
todas as constelações do universo
Sei que é para mim
que adornas o céu
com flores de luz
quando a noite está nua e mais fria.
É por mim
que clamam os teus olhos
e que brotam sorrisos no teu rosto
Sei que são meus
os teus braços, os teus abraços
e os beijos
que secretamente guardas
no esconderijo dos lábios.
Sei que em ti posso mitigar
o cansaço dos dias
ou as mágoas da vida…
no porto seguro do teu colo
ou na fortaleza do teu peito.
Sei e sinto que me amas e me queres
com a mesma intensidade
com que te quero e amo.

E em breve, meu amor ,
a saudade tornar-se-á encontro
a distância anular-se-á na força do abraço
e juntos provaremos um ao outro
que é tão ténue a barreira que nos separa
face à imensidão do amor que nos une.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

FEITICEIRA










Há tanta serenidade nesses teus olhos e, no entanto, quantas tempestades eles não escondem!
Provavelmente é essa cor desassossegada do teu olhar, que me deixa cativo, rendido e eternamente teu.
Já as tas mãos, são remos que levam até outras margens, percorrendo rios que só o meu coração conhece, e onde me deito esperando, sôfrego, por um bocadinho de ti, quando não te dás inteira.
Enfeitiçaste-me logo da primeira vez que o teu olhar mergulhou no meu e a minha boca quase se afogou na tua.
Não é à toa que te chamam feiticeira.
Não é à toa que cheiras a rosmaninho e a ervas raras…
Não é a toa que se sigo, para onde quer que vás e te espero, impaciente, quando demoras nessas tuas viagens que fazes dentro de ti, deixando-me indefeso, quase menino…
Um dia, disseste-me, em silêncio, só com a luz dos teus olhos, o quanto me querias.
E foi nesse dia, que percebi que os teus olhos, esses olhos que me enfeitiçaram, não são mais, do que dois pedacinhos da tua alma…
Como pode a tua alma ser visível, perfumada e brilhante?
E eu, como posso eu deixar de querer morrer nos teus braços, se é neles que renasço quando o teu corpo repousa ao meu?
Como posso eu merecer-te se não és nem de mim, nem de ninguém?
Como posso eu morar em ti, feiticeira, se a tua alma não tem poiso, nem moradia?
Como podes tu querer este teu escravo, que a única coisa que tem de seu, é este amor por ti e que me consome?
Como pode, feiticeira?

A Luz
 — 

OSNILDA




Os amores que trocamos
sobem aos céus
na volúpia da paixão
entregamo-nos como eternos
pura ilusão
os amores naturais são efémeros
duram enquanto duram
vivem das razões profundas
inconstantes do coração.

emilio casanova, in "Afrodites"

VECI



Vem minha amada
corramos ao campo
entre pinhais
pelas veredas pisadas
dos namorados
deitei-mo-nos nos verdes prados
entre flores silvestres
que desabrocham
perfumadas
recebamos a natureza pura
dos nossos corpos
cheiremos os aromas dos amantes
bebamos o mel dos encantos
dormiremos abraçados
na terra mãe que nos abençoa.

emilio casanova, in "Afrodites"
ilustração Gustav Klimt, o beijo.

Nova dimensão





Aparece mais tarde tenho saudades tuas:
nas horas certas porque amor não pode perder
entrei pelas pontas extremas da mente 
meus dedos
intermediários da corrente cósmica
que nos une continente a continente
nova dimensão do século na infinita net
na tela retangular do nosso contentamento

face a face nos reunimos
lá estavas ansiosa provocadora
sorrimos numa comunicação global
gesticulamos em cumplicidades
insinuante apetitosa qual eva tentadora
sobrevoavas mares
terras rios florestas cidades
encantavas-me
tensão erótica brotava com palavras ternas
enquanto roupas desciam escaldando
ambientes próximos distantes
nos amámos no poder da mente do coração
digitalizando instantes
sublime tempo de exploração de nossos corpos
em fragmentos
adorámos esta entrega de doces sentimentos
em nova dimensão.

Coisas do Coração...livro de Joaquim Vairinhos...Dez/2011




Maria
no brilho do teu olhar
percorro caminho iluminado
puro e alvo
que me leva a ti

no sorriso em flor
dos teus lábios
deixo-me conduzir
á procura de ti
em mim

na beleza das tuas mãos
afago a maciez da tua pele
seguro-as nas minhas
para te sentir

no néctar delicioso do teu corpo
que pressinto
mergulho contigo
no elixir amoroso
do belo perfumado tinto

nas veias do teu sangue
vermelho poderoso
percorri teus belos recantos
na busca incessante
dum amor que pressinto

contigo ergo
tudo que existe em mim
num cálice sagrado
saúdo o sonho
que me levou a ti

adorei-te meu amor
na mistura do espírito
de carinho com calor
na união comemorada
com prazer entrega
e suor

adorei-te
na eternidade desta noite








Emílio Casanova

SE TU VIESSES VER-ME...




FLORBELA ESPANCA, in SONETOS 



Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

CANÇÃO DE AMOR





JOAQUIM PESSOA, in CANÇÕES DE EX-CRAVO E MALVIVER


Eu cantaria mesmo que tu não existisses, 
faria amor, assim, com as palavras. 
Eu cantaria mesmo que tu não existisses
porque haveria de doer-me a tua ausência.

Por isso canto. Alegre ou triste, canto.
Como se, cantando, tocasse a tua boca,
ainda antes da tua presença.
Direi mesmo, depois da tua morte.

Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
ó minha amiga, doce companheira.
Eu festejo o teu corpo como um rio,
onde, exausto, chegarei ao mar.

Sim, eu cantaria mesmo que tu não existisses,
porque nada eu direi sem o teu nome.
Porque nada existe além da tua vida,
da tua pele macia, dos teus olhos magoados.

Assim quero cantar-te, meu amor,
para além da morte, para além de tudo.

PASSAGEM DAS HORAS







ÁLVARO DE CAMPOS, in POEMAS (Pequeno excerto)




"Trago dentro do meu coração, 
Como num cofre que se não pode fechar de cheio, 
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero"

CANÇÃO EXCÊNTRICA




CECÍLIA MEIRELES, in ANTOLOGIA POÉTICA

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projecto-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
É já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

PARA SEMPRE









CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, in LIÇÃO DE COISAS



Por que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho. 

TARDE DEMAIS...




FLORBELA ESPANCA, in LIVRO DE SÓROR SAUDADE 



Quando chegaste enfim, para te ver 
Abriu-se a noite em mágico luar; 
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d'oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
"Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!..." 

O que é o amor?





Talvez brisa sutil, cujo toque acalanta
o botão a florir, em promessa de vida…
Ou será minuano, que, hostil, aquebranta
a palmeira que, em prece, se eleva, incontida?

Arrebenta, revira, destroça, desplanta…
Há de ser vendaval, em loucura homicida?
Ou, bem mais, tempestade, que o peito agiganta
e desperta o queimor da paixão reprimida?

Ah, o amor! Explicá-lo é tarefa impossível…
As lembranças sussurram baixinho: é factível…
Tomo lápis, papel, e me entrego ao labor.

Um silêncio… Saudade… Uma lua tão cheia…
E o poeta que, errante, em minh’alma vagueia,
um soneto plangente começa a compor!


Patrícia Neme

Outono…da vida



Hamilton Afonso

A paleta de cores em tons de
amarelo, castanho e vermelho terra
as folhas caindo, as arvores preparando-se
para o Inverno e suspirando pela Primavera

As primeiras chuvas, o cheiro, bom a
terra molhada, os cogumelos a nascerem em
tufos de vida no chão, juncado de folhas mortas
das florestas de carvalhos

As sementeirasdo pão de centeio e trigo, os nabais
que servirão de forragem aos animais, no Inverno
os soutos com os seus castaheiros prenhes de ouriços
que em partos esforçados se oferecem em castanhas
que aquecem as noites já frias,
a telha vã branca da geada

Tudo isto faz parte das minhas recordações da
infância e juventude, quando as aldeias
nortenhas tinham vida, gente, jovens percorrendo
alegremente as ruas empoeiradas do Verão, enlodadas
das chuvas que caem, com os pés calçados com os
socos de solas de pau de amieiro, e as suas taxas metálicas.

À noite, à volta da lareira, conversando e ouvindo
respeitosamente os seniores transmitindo-nos
a sua imensa sabedoria caldeada na escola da vida

Saudade?

Melancolia?

As duas coisas, mas sobretudo o enorme respeito
por aqueles que me moldaram o caracter, que me ajudaram
a ser homem

A minha gratidão e ternura a todos eles
s seniores da minha infância que tratávamos
com respeito



não cheirei
a maciez da tua pele

não afaguei 
teus formosos seios

não beijei
teus húmidos e sedosos lábios

como ousas saber meus segredos

cheiro-te a pele
afago teus seios
beijo teus lábios

desfolho-me livro precioso
para me leres
com ternura e carinho

nos momentos de melancolia

Emilio Casanova

Alma perdida






Florbela Espanca

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...

Li hoje quase duas páginas



Alberto Caeiro 

Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.



...uma quentinha de amor

junta uma manhã de domingo
com tua amada
adiciona uma boa
quantidade de carinho
sal em suor quanto baste
muita audácia
na pimenta

deixa que ferva
em lume brando
com tempo suficiente

terás um amor
que satisfaz os dois
a contento

num início de um esplendoroso
domingo

emilio casanova, in "Só & Cia"



apetece-me agora
deitar minhas costas
nos grãos de areia
da praia
respirar o cheiro
das gotas do mar
viajantes no ar
fixar meus olhos
no firmamento azul
segurando a cabeça
nos dedos entrelaçados
com meus joelhos
dobrados
pés enterrados
sim porque não
vou fazer o que me apetece
indiferente a quem pise
junto de meu corpo
indefeso
quero esquecer mundos
de sofrimento
de um lado de outro
à frente atrás
quero parar assim
subitamente
e por momentos
dar-me este presente

emilio casanova, in "So & Cia"




quando visito minha velha
primeira casa
aquela da minha infância
através dos caminhos profundos
de minha memória
é como se fosse
repousar no passado

não ouso descrevê-la
porque só eu
em minhas lembranças
a possuo
está em mim no ser
naquele interior do ser
onde vivem as recordações
de minha intimidade primeira
inserida

centro de sonhos
revisito-a pela poesia
percorrendo os cantos
de meus primeiros devaneios
sim ela existe
como casa de lembrança
sonho
retida nas sombras
para lá do passado verdadeiro

não existindo mais

emilio casanova, in "Só & Cia"







Quando olho tua foto
minhas mãos ajeitam teus cabelos
docemente
Meus olhos admiram as curvas suaves
do teu rosto
Meus dedos passeam delicadamente
pelos teus lábios
com meiguice
Aperto carinhosamente
tua face
beijando tua boca com sentimento
lentamente
aspirando tua alma
para eternizar o momento.





Emilio casanova