segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

José Agostinho de Macedo – II

Como vimos, José Agostinho de Macedo (11/09/1761 - 02/10/1831), natural de Beja, foi o grande polígrafo dos começos conturbados do século XIX português. Nas suas “Cartas filosóficas a Attico” (edição da Impressão Regia de Lisboa, de 1815), desenvolveu, entre muitos outros temas de carácter militar, político, social, religioso, cultural e económico, o tema do provincianismo segundo a sua vertente do patriotismo e enalteceu também, a seu modo, as virtudes intelectuais da mulher.
As suas vinte e sete Cartas foram escritas para impressionar uma das suas novas paixões, uma freira Trina (ver página inicial da dedicatória), D. Joanna Thomazia de Brito Lobo de S. Paio, natural de Moura, “sua Pátria”, a qual não deve ser privada de “uma gloria que é sua, que é nossa, que é do Reino, e a sua ilustre Religião<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> de mais um timbre”, […] que “sabe unir muito bem a virtude e a ciência; e quando é constante esta união, e esta harmonia, não deve ter clausura o seu nome, nem devem ficar na sombra do Claustro seus conhecimentos, é justo que veja o mundo ilustrado a razão com que os admiro, e até a razão com que os invejo. O sentimento delicado é próprio do seu sexo, é regra dos seus juízos, e poucas vezes se engana, e nestas ocasiões sentimentais sobre as obras de puro engenho, não leio uma só carta de V. S. que a não compare, para a preferir, à mais bem lançada de Sévigné.” (1815, pp inumeradas da dedicatória).
A Carta XVI, pp.213 a 230, discorre sobre várias noções de patriotismo e a noção de grandeza daqueles que vivem nas grandes cidades. Macedo valoriza a História como repositório de lições que se devem consultar para melhor orientação dos homens nos seus actos políticos, comerciais e culturais. A dado passo, referindo o vanglorioso e excessivo patriotismo que se vivia na Atenas clássica ao ponto de uma “revendona” da praça não reconhecer os literatos estrangeiros, Macedo narra o seguinte: “Li, não sei em que livro, que celebrando-se diante de uma matronaça de Paris os olhos formosos, serenos, e alegres de uma rapariga que tinha nascido longe de Paris, pronunciou gravemente que ela conhecia aquela rapariga, e que ela confessava que com efeito tinha bons olhos, mas que eram bons quanto os pode ter bons uma pessoa de Província: não cito o nome do livro, porque me não lembra, mas posso, meu Ático, certificar-vos que com efeito li isto com estes meus dois olhos, que não tiveram a ventura de nascer em Lisboa, mas em Beja, e por isso ficam sendo olhos Provincianos. […] o que me impacienta é o célebre La Bruyere, que, em seus caracteres feitos para emendar os homens, censura as pessoas que nasceram nas Províncias, porque não têm polidez, e luzente verniz das que nasceram em Paris. […] Contudo, as grandes Cidades terão sempre maiores vantagens, e prerrogativas que as pequenas, e quem nasce no meio de uma populosa Corte acha de ordinário com mais facilidades preparados os meios para uma boa educação, e para o estudo das boas artes e disciplinas. Mas porque vós nascestes em Lisboa, e eu em Beja, tendes acaso razão de vos entonar, e ensoberbecer pela magnificência publica? Deveis acaso julgar-vos grande porque Lisboa tem grandes praças, grandes ruas, grandes Templos, e grandes Palácios? E eu, porque nasci em Beja, devo acaso reputar-me um mesquinho mal olhado da ventura, porque permanecendo e vivendo naquele sombrio município Romano, não acordo alvoraçado depois da meia noite com o estrepido das carruagens que saem do Teatro, ou porque não desperto sobressaltado de madrugada com o motim dos pregões, e burburinho da gente? E serão para mim sem sabor os passeios por aqueles extensos e despidos campos, porque uma onda de povo não me leva em si, e outra me traz contra minha vontade!”.
Macedo é deveras um atento observador do seu tempo. Julgava que a Pátria se deveria rejubilar por ser o berço de profundos e exemplares entendimentos, uma pátria das ciências, das artes úteis e liberais, e não uma pátria que se gabasse por ter alfaiates caprichosos, cozinheiros exóticos e cabeleireiros mais elegantes. Também na província era possível encontrar quem tivesse valor, quem fosse Alguém (como diria mais tarde Oliveira Martins), quem, no fundo, sabia muito mais do que contava, embora dissesse que já se não lembrava do nome do livro que lera, livro que era, afinal, o livro consistente, o do verdadeiro saber, ao qual se resumiam todos os outros: o conhecimento das leituras e das experiências de uma vida muito atribulada.
Em 1815, quando as “Cartas a Ático” foram editadas, já se conhecia, pelo menos em Paris, o conteúdo da nota do abade Boissonade, erudito francês, que trouxe para a ribalta, em 1810, o nome de Mariana Alcoforado como a autora das “Lettres Portugaises”. As Cartas de Macedo aludem a várias celebridades femininas como sejam as Mmes. de Stael e de Sévigné, ambas referenciando nas suas obras literárias as “Lettres Portugaises”, pelo que é muito provável que o autor tenha conhecido o tema e, até, reconhecido a importância de Mariana, bejense como ele. Aqueles olhos bejenses, provincianos, simples e verdadeiros, aliados incondicionais da paixão, bem poderiam ser os dela…

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