José Agostinho de Macedo – II
Como vimos, José Agostinho de Macedo (11/09/1761 - 02/10/1831), natural de Beja, foi o grande polígrafo dos começos conturbados do século XIX português. Nas suas “Cartas filosóficas a Attico” (edição da Impressão Regia de Lisboa, de 1815), desenvolveu, entre muitos outros temas de carácter militar, político, social, religioso, cultural e económico, o tema do provincianismo segundo a sua vertente do patriotismo e enalteceu também, a seu modo, as virtudes intelectuais da mulher.
As suas vinte e sete Cartas foram escritas para impressionar uma das suas novas paixões, uma freira Trina (ver página inicial da dedicatória), D. Joanna Thomazia de Brito Lobo de S. Paio, natural de Moura, “sua Pátria”, a qual não deve ser privada de “uma gloria que é sua, que é nossa, que é do Reino, e a sua ilustre Religião<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> de mais um timbre”, […] que “sabe unir muito bem a virtude e a ciência; e quando é constante esta união, e esta harmonia, não deve ter clausura o seu nome, nem devem ficar na sombra do Claustro seus conhecimentos, é justo que veja o mundo ilustrado a razão com que os admiro, e até a razão com que os invejo. O sentimento delicado é próprio do seu sexo, é regra dos seus juízos, e poucas vezes se engana, e nestas ocasiões sentimentais sobre as obras de puro engenho, não leio uma só carta de V. S. que a não compare, para a preferir, à mais bem lançada de Sévigné.” (1815, pp inumeradas da dedicatória).
A Carta XVI, pp.213 a 230, discorre sobre várias noções de patriotismo e a noção de grandeza daqueles que vivem nas grandes cidades. Macedo valoriza a História como repositório de lições que se devem consultar para melhor orientação dos homens nos seus actos políticos, comerciais e culturais. A dado passo, referindo o vanglorioso e excessivo patriotismo que se vivia na Atenas clássica ao ponto de uma “revendona” da praça não reconhecer os literatos estrangeiros, Macedo narra o seguinte: “Li, não sei em que livro, que celebrando-se diante de uma matronaça de Paris os olhos formosos, serenos, e alegres de uma rapariga que tinha nascido longe de Paris, pronunciou gravemente que ela conhecia aquela rapariga, e que ela confessava que com efeito tinha bons olhos, mas que eram bons quanto os pode ter bons uma pessoa de Província: não cito o nome do livro, porque me não lembra, mas posso, meu Ático, certificar-vos que com efeito li isto com estes meus dois olhos, que não tiveram a ventura de nascer em Lisboa, mas em Beja, e por isso ficam sendo olhos Provincianos. […] o que me impacienta é o célebre Macedo é deveras um atento observador do seu tempo. Julgava que a Pátria se deveria rejubilar por ser o berço de profundos e exemplares entendimentos, uma pátria das ciências, das artes úteis e liberais, e não uma pátria que se gabasse por ter alfaiates caprichosos, cozinheiros exóticos e cabeleireiros mais elegantes. Também na província era possível encontrar quem tivesse valor, quem fosse Alguém (como diria mais tarde Oliveira Martins), quem, no fundo, sabia muito mais do que contava, embora dissesse que já se não lembrava do nome do livro que lera, livro que era, afinal, o livro consistente, o do verdadeiro saber, ao qual se resumiam todos os outros: o conhecimento das leituras e das experiências de uma vida muito atribulada.
Em 1815, quando as “Cartas a Ático” foram editadas, já se conhecia, pelo menos em Paris, o conteúdo da nota do abade Boissonade, erudito francês, que trouxe para a ribalta, em 1810, o nome de Mariana Alcoforado como a autora das “Lettres Portugaises”. As Cartas de Macedo aludem a várias celebridades femininas como sejam as Mmes. de Stael e de Sévigné, ambas referenciando nas suas obras literárias as “Lettres Portugaises”, pelo que é muito provável que o autor tenha conhecido o tema e, até, reconhecido a importância de Mariana, bejense como ele. Aqueles olhos bejenses, provincianos, simples e verdadeiros, aliados incondicionais da paixão, bem poderiam ser os dela…
Sem comentários:
Enviar um comentário