segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Dia 141



O ouro miúdo, o ouro moído, o ouro. Vocábulo de sacrifícios,
touro ajoelhado sobre a indiferença, emocionado como a luz
do outono. Palavra intensa, imensa e pequenina. Dela nasce a
brisa da manhã e a paz doméstica que se espalha no
s homens
e nos pássaros.
Ouro que se cava nas grutas do amor, que se recolhe dos rios
que correm pelo leito da paixão e que se morde nas palavras
decisivas.
O meu corpo é de ouro, o teu corpo é de ouro, os nossos ges-
tos são de ouro. Ouro miúdo. Ouro moído. Ouro, simplesmen-
te. Mas apenas quando a carne é uma surpresa, quando a re-
putação de todos os nossos minutos é a coisa mais importan-
te que soubemos amealhar.
Esse ouro é o do homem apaixonado, dos hóspedes fatigados
que acolhemos no coração, daqueles que regressam a uma ca-
sa que não têm. Esse ouro é o das mãos partilhadas, das mãos
dos poetas, dos visitantes da amizade, dos que ainda sorriem
mesmo que apenas lhes sobre uma estreita realidade para acre-
ditar no milagre.
Ouro miúdo das grandezas do carácter, ouro moído pelas pala-
vras justamente divididas, ouro da liberdade que recolhemos
de cada um dos dias sombrios através da alquimia que trans-
forma também velhos pássaros em estrelas e novos pensamen-
tos em folhas de papel: o livro aberto das nossas janelas fecha-
das.
___Joaquim Pessoa

in: ANO COMUM

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