sábado, 30 de junho de 2012

Lunar




A lua aconteceu hoje rasgada,
pois brigou com um trovão
da madrugada.
Não gostou do seu clarão.
Sentiu-se ultrajada.
Recolheu seu pedaço ferido
e o manteve escondido
daqueles que se amavam sob seu encanto.
Assim incompleta,
a lua amoitou-se numa nuvem preta
e choveu em pranto.

Flora Figueiredo
In O Trem que traz a noite

Flores




Minhas mãos tão antigas
e mortais
que já tocaram
a harpa do horror
e do mel
já tatearam a madrugada
suas sombras na parede
até o fundo do abismo
arrumam essas flores

elas traduzem a casa
indicam o caminho
parecem dizer é por aqui
por aqui o sol e a lua
o amor
em cima da mesa flutuam
e com o seu voo
tiram a casa do chão.

Roseana Murray
In Poesia Essencial

Flor de Junho




Tua lembrança nasce em mim, digamos,
como uma flor de junho: úmida, fria,
curvada ao vento e à melancolia
do que vivemos.Mais: do que deixamos

de viver ( penso nisso, assim, digamos,
mordido de remorsos). Quem diria
que virão tão rápido este dia
em que eu veria que passei, passamos?

Flor de junho...Essa história, outras histórias,
por quanto ainda, assim, dessas memórias
suportarei?   E o corvo Nunca Mais

me pousa no ombro. E, vendo a comoção
lavrando-me, me afaga e me diz; "Não
há de ser  nada - amanhã tem mais." 

Ruy Espinheira Filho
In Poesia Reunida e Inéditos

Da Eternidade




Da eternidade venho. Dela faço
parte, desde o começo da vida
dos que me fizeram ser
até chegar ao que sou.
Transporto com a minha vida
a eternidade no tempo.
Menino deslumbrado com as águas,
os ventos, as palmeiras, as estrelas,
prolonguei sem saber a eternidade
que neste instante navega
no meu sangue fatigado.

Santiago,93

Thiago de Mello
In Melhores Poemas

Magnólias





Esse tempo que tempo
é esse
escorrendo pelo ralo
da pia
junto com os restos
do século
junto com cabelos
e silêncios
e magnólias mortas?

os homens tiram as almas
durante o dia
e guardam nos bolsos
e a noite
elas não cabem mais
no corpo
e ficam assim
inúteis
feito velas esburacadas
de barco
flutuando entre
tantos outros desejos
que já não cabem.

Roseana Murray
in Paredes Vazadas

Feno




Sou andarilha navegante
enquanto em minha pele
a vida escreve seus espelhos
e o universo faz pouso
com seu barulho grave de universo

sou o cântaro onde a noite
deposita seus duendes
deposita seus leiteiros
cuidadosamente
como vagos habitantes de um mistério

sou estrada esquina encruzilhada
onde os rios desaguam seus segredos
e a lua se derrama em duas faces
dando de comer ao coração
feito um cavalo a quem se dá feno

Roseana Murray
In Paredes Vazadas
tela John Jude Palencar 1999

Cantiga




Pergunto ao mar por que foge
e ao vento por que não vem.
O tempo levou a vida
para outra praia no além.
Há tanto pássaro voando,
meu sonho voou também.
Pousou nas cristas das vagas,
tornou-se espuma salgada
e veio dar nesta praia
onde não há mais ninguém.

E o mar que foge retorna,
retorna o vento também.
Só a vida que foi não volta,
só o tempo que foi não vem.

Gilberto M. Teles
In Poemas Reunidos
tela Steve Hanks 'Pacific Sanctuary' watercolor c.1992

Trovas



Tudo muda... O tempo avança...
Vai-se a vida...O globo roda,
mas com lastros na esperança,
sonhar nunca sai de moda.

Embelezo o meu viver
com sorriso, amor e empenho,
pra jamais vir a perder
os amigos que mantenho!

Posso dizer que a esperança
Que a vida faz renascer,
É um mito que não se alcança,
Mas como ajuda a viver...

''Como cultivo amizades
e sou bom agricultor,
irão escrever: "SAUDADES",
na campa aonde eu me for.''

Miguel Russowsky

Estações




Não sou o outono
Não tenho folhas caindo e quero avisar que não me filtro na luz
Que precede o inverno.

Quero avisar que não me sucedo
Não morro nem renasço
E não me recrio do húmus e do tempo
cíclico.

Apenas me indago
e me embriago
numa atmosfera de sons e desejos
e as experiências que me negaram
rejeito-as como as folhas de outono que não tenho
e não posso fertilizar.

Estou do outro lado
Dos fenômenos metereológicos
E dos ciclos vegetais da vida
E me enfado na composição de termos
Que reciclam a simbologia de minha memória
E os terríveis segredos de minhas palavras
Usadas e pensadas.

Não sou o outono
Não fui outras coisas
E me perco em memórias 
E confusos acontecimentos sem registro.

Sou uma estação
Em que me sinto apenas
um itinerário de coisas e pessoas
A maior parte indiferente.

Como as folhas que murcham
Morrem, caem e fertilizam,
necessito que me deem um sistema
para não ser visto
não ser palpável
e onde eu não perceba o outono
que precederá minha morte.

Álvaro Pacheco
In A Balada e Outros Poemas
tela Leonid Afremov 



"Estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Voa no meu pensamento, a dança e contradança de lembrar e esquecer.
Não sei se vou esquecer.
E enquanto sei e não sei;
Estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Na tal dança, contradança de pensar e não pensar, pressinto que vou sentir lágrimas no meu olhar.
E enquanto sinto e não sinto, atiro pedras ao mar.”


Milan Kundera

Noite da Saudade




A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

Florbela Espanca
in A mensageira das violetas.

Um poema




Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga


Pintura de Daniel Gerhartz

sexta-feira, 29 de junho de 2012




Flores e frutos raros ousarão
debruçar-se nos ramos circunflexos:
são coroas votivas desses templos
onde a simples presença é uma oração.

Também nós, debruçados e perplexos
sobre o amor, sonharemos solução
nessas águas nem sempre navegáveis
cantando vaus e abismos entre os sexos.

Quando passam por nós - tão de repente
chegam e somem-se, confiando o rastro,
mais do que aos olhos, à imaginação -

fundem círculos máximos de espanto,
e em tal hora brotar na terra apenas
flores e frutos raros ousarão.  

Geir Campos
In Coroa de Sonetos

O Cisne



Este cansaço de passar como que atado
a coisas que ainda não foram feitas,
parece o caminho incriado do cisne.

E o morrer, esse desapegar-se
do fundo em que diariamente estamos,
seu tímido abandonar-se às águas

que mansamente o acolhem e por serem
felizes e já passadas, onda a onda,
sob seu corpo se retraem;

então, firme e tranqüilo,
com realeza e crescente segurança,
abandona-se o cisne ao deslizar.


Rainer Maria Rilke



De que são feitos os dias?
De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crime,
de pecados, de glórias,
do medo que encadeia todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces e em sinistras alianças.


Cecília Meireles.
in Canções.

'RAMO EM FLOR'





Para cá e para lá
sempre se inclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.

Hermann Hesse



Se a gente pensar que ja viveu
tudo que tinha pra viver,
que não há mais surpresas
nem vertigens pela frente,
que graça terá acordar
amanhã de manhã?


- M. Medeiros -

Tarde Azul




Minúscula, branca,
leve, sem rumor,
bóia no azul uma nuvem:
volve teus olhos e sente 
como em seu alvo frescor te conduz
feliz por entre sonhos azuis. 


Hermann Hesse
In: Andares



Minúscula, branca,
leve, sem rumor,
bóia no azul uma nuvem:
volve teus olhos e sente 
como em seu alvo frescor te conduz
feliz por entre sonhos azuis. 


Hermann Hesse
In: Andares



”Os homens só se sentem verdadeiramente irmãos quando se ouvem uns aos outros no silêncio das coisas, através da solidão… A solidão derrete essa espessa capa de pudor que isola uns dos outros; só na solidão nos encontramos; e, ao encontrarmo-nos, encontramos, em nós, todos os nossos irmãos… Só na solidão elevamos o nosso coração ao coração do Universo… Só na solidão podes conhecer-te a ti mesmo como próximo; enquanto não te conheceres a ti mesmo como próximo, não poderás chegar a ver, nos teus próximos, outros ‘eus’. Se queres aprender amar os outros, recolhe-te em ti mesmo.”

Miguel de Unamuno



“...Talvez os fatos mais estarrecedores e verdadeiros nunca
sejam comunicados de homem a homem.
A verdadeira colheita do meu dia-a-dia é algo de tão intangível
e indescritível como os matizes da aurora e do crepúsculo.
O que tenho nas mãos é um pouco de poeira de estrelas
e um fragmento de arco-íris.”

Henry David Thoreau,
in Walden ou a Vida Nos Bosques

DEIXEM-ME DORMIR




Deixem-me dormir
deixem-me a paz do sonho

o deslumbramento
da luz que sopra ainda
nos meus olhos a criança
do brinquedo
em minhas mãos

o alento de ver sorrir a madrugada
que não volta
à paz do sono da criança
que ainda sou.

Vieira Calado

'Para os livros, cujo perfume'




Para os livros, cujo perfume
de campo e verniz fascinava
meus olhos e meu pensamento,
não tenho tempo.


Para a flor, o linho, a ramagem,
a cor, que me arrastavam como
por um bosque múrmuro e denso,
não tenho tempo.


Nem para o mar, nem para as nuvens,
nem para a estrela que adorava
não tenho, não tenho, não tenho
não tenho tempo.


Canta o pássaro inútil ritmo,
os homens passam como sombras,
e o mundo é um largo e doido vento.
Não tenho tempo.


Longe, sozinha, arrebatada,
entro no circulo secreto
e a mim mesma não me pertenço.
Não tenho tempo.


Oh, tantas coisas, tantas coisas
que a alma servira com delicia...
(São nebulosas de silencio...)
Não tenho tempo.


Lagrimas detidas – meus olhos.
Sofro, porem já não batalho
entre saudade e esquecimento.
Não tenho tempo.


Aonde me levam? Que destino
governa a delirante vida?
Nem hei de morrer como penso.
Não tenho tempo.


Tão longe esforço, e tão penoso
- e agora fechado o horizonte.
Ó vida, inefável momento,
- não tenho tempo... 



Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)

''Pela flor amarela viajaremos''


Pela flor amarela viajaremos:
afastaremos as nuvens espessas
e as florestas de espinhos.


Pela flor amarela, vamos e voltamos,
por escadas escuras, corredores estreitos,
falando a desconhecidos.


Onde está, dizei-nos, a flor amarela?
Era minha? era vossa? era do seu próprio instante,
era sua, cativa por algum caçador floral?


Pela flor amarela atravessaremos a pedra,
o vidro, o metal, as palavras.
Atravessaremos o coração, como quem se mata.


Atravessaremos um novo mar desconhecido,
correremos Áfricas e Ásias, pólo e tropico,
e jogaremos nossa vida entre as estrelas.


A flor amarela está guardada em si mesma,
seu perfume, sob mil pétalas tranqüilas,
seu pólen resguardado contra o vão descobrimento.


Cecília Meireles  1962 

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Voz da Saudade




Saudade é quand'alma chora
O vazio que em nós ficou
De tudo o que foi embora
E na vida nos tocou !...

É a voz da emoções
Que acorda o sentimento
Em rios de divagações
Que correm sempre em lamento.

É lembrança entristecida
Que em nós dói profundamente
Dum alguém da nossa vida
Que partiu ou está ausente...

É dor no peito calada
E que a nossa alma invade
De memórias feitas nada...
Apenas... Voz da saudade !...


Euclides Cavaco



Saudade é o cantar apaixonado
De um sabiá em tarde branda e linda;
É o espelho indelével do passado
Com a imagem de alguém que se ama ainda.

Saudade é um riso triste, amargurado,
Disfarçando uma dor cruel, infinda...
Bater de um coração descompassado
Na avidez de esperar provável vinda.

É a noite mal dormida, o olhar sofrido;
Dentro de nós o peito dolorido
Prestes a explodir de ansiedade...

É a lágrima discreta, comovente,
Rolando pela face, lentamente
Acolhendo terrível realidade.


Bernardina Vilar
(1928-1997)





Ter saudade é viver
Não sei que vida é a minha
Que hoje só tenho saudades
De quando saudades tinha.


Passei longe pelo mundo
Sou o que o mundo seu fez,
Mas guardo na alma da alma
Minha alma de Português.


E o Português é saudades
Porque só as sente bem
Quem tem aquela palavra
Para dizer que tem.


Fernando Pessoa

Vem , Primavera




Vai embora, inverno...
Leva contigo o frio,
a solidão, a saudade
e deixa vir a primavera
vestir a terra de flores,
de verde, vida e cores.

Vem, primavera:
contigo renasce a vida,
brota de novo a poesia,
renova-se a esperança.

Vem, primavera:
lança sobre nós o sol,
raio de luz, força e cor,
essência de vida de nós,
pequenos filhos da terra.

Vem, primavera,
e traz contigo
a flor do jacatirão...
A festa da vida recomeça
e eu te festejo, primavera!


Luiz Carlos Amorim




Te desejo uma fé enorme
em qualquer coisa, não importa o que,
como aquela fé que a gente teve um dia,
me deseja também uma coisa bem bonita,
uma coisa qualquer maravilhosa,
que me faça acreditar em tudo de novo,
que faça a cada um de nós acreditar em tudo outra vez.”


Caio Fernando Abreu
(1948/1996 )



Tantas paixões meu cavaleiro errante
triste figura andante em mim venceu...
De eterno amor por sua doce amante
bem mais que eternamente padeceu...

Deu expressão ao asno e ao rocinante.
Aos guerreiros do amor deu o apogeu.
Aos moinhos de vento o vago instante
da reinvenção do sonho que morreu...

Revi meu Dom Quixote de La Mancha...
O escudeiro... O cavalo e a augusta lança
contra os dragões do inferno sob o céu...

Quando uma simples chuva de verão
derreteu – qual num passe de ilusão –
a minha Dulcinéia de papel...

Afonso Estebanez



”Os homens só se sentem verdadeiramente irmãos quando se ouvem uns aos outros no silêncio das coisas, através da solidão… A solidão derrete essa espessa capa de pudor que isola uns dos outros; só na solidão nos encontramos; e, ao encontrarmo-nos, encontramos, em nós, todos os nossos irmãos… Só na solidão elevamos o nosso coração ao coração do Universo… Só na solidão podes conhecer-te a ti mesmo como próximo; enquanto não te conheceres a ti mesmo como próximo, não poderás chegar a ver, nos teus próximos, outros ‘eus’. Se queres aprender amar os outros, recolhe-te em ti mesmo.”

Miguel de Unamuno



Quando chegaste inteiro
bendisse o tempo que te lapidou
em dias de sol,
ancoradouro dos sonhos meus

Sejamos o infinito
do verbo que rimamos,
completando a oração
que vivemos e sonhamos

Passamos com o tempo,
juntamos pedaços da vida,
resto do que fomos,
desalinhados e disformes,
parte de sonhos formados por nós


Conceição Bentes



Eis-te ao piano... Os amestrados dedos
Fazes correr por sobre as teclas brancas,
Urdindo as tramas de sutis enredos,
Com que os pesares, para longe, espancas.

E os circunstantes silenciosos, quedos,
De corações abertos e almas francas,
Pasmam de ouvir os mágicos segredos
Que, à força d’arte, do instrumento arrancas.

De ouvido atento à execução pasmosa,
Do gênio criador a luz radiosa,
Na tua fronte virginal, diviso.

E aí me quedo, reverente e mudo,
Em êxtase de gozo, alheio a tudo,
Sonhando achar-me em pleno paraíso.


Pe. Antônio Tomaz

Araucária




A araucária
Nasceu forte e altiva
Hostil e solitária.
Ascende em linha reta
- Como uma coluna verde escura
No verde cambiante da campina.

Estende meus braços hirtos e serenos

Não há na minha fronde
Nem veludos quentes de folhas,
Nem risos vermelhos de flores,
Nem vinhos estonteantes de perfumes;
Só há odor agreste da resina
E o sabor primitivo dos frutos.

Helena Kolody




Sim, tu és o porvir, a grande aurora,
que desponta das planícies da eternidade.
Tu és o canto do galo após a noite do tempo,
tu és orvalho, albas, menina,
tu és o viajante, a morte, a mãe ...

Tu és a forma que incessantemente muda,
que, solitária, emerge do destino,
que não se comemora nem lamenta,
pois ninguém te dirigiu, floresta selvagem.

Tu és o fundo essencial das coisas
que cala a última de sua essência
e que mostra aos outros sempre outro:
terra ao barco, e navio à costa.


Rainer Maria Rilke
in Antologia Poética


Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas, tempo e vento,
desabam no abismo.

Que sabes tu do fim?

Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas.
conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.

No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta.

Canta. Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.

Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.


Menotti Del Pichia




“...Talvez os fatos mais estarrecedores e verdadeiros nunca 
sejam comunicados de homem a homem. 
A verdadeira colheita do meu dia-a-dia é algo de tão intangível
e indescritível como os matizes da aurora e do crepúsculo.
O que tenho nas mãos é um pouco de poeira de estrelas
e um fragmento de arco-íris.”

Henry David Thoreau,
in Walden ou a Vida Nos Bosques

'PRESERVAÇÃO'




Chama-se liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo de faz;
Não desças do teu céu de solidão,
Pomba da verdadeira paz,
Imagem de nenhuma servidão!

Miguel Torga
de 'Obra Completa'