sexta-feira, 8 de junho de 2012





Fechei o livro que falava
de essências, de existências, de substâncias
de acidentes e modos,
de causas e efeitos,
de matéria e de forma,
de conceitos e ideias
de númenos, fenómenos,
coisas em si e noutras, opiniões,
hipóteses, teorias...
Fechei o livro e abriu-se
a meus olhos o mundo.
Transposto tinha o sol já a colina;
no céu esmaltavam-se os álamos
e nasciam entre eles as estrelas;
a lua branqueava o firmamento,
cujo fulgor difuso
nas águas do rio se banhava.
E observando a lua, a colina,
as estrelas, os álamos,
o rio e o fulgor do firmamento
senti a grande mentira
de essências, de existências, de substâncias,
de acidentes e modos,
de causas e efeitos,
de matéria e de forma,
de conceitos e ideias
de númenos, fenómenos,
coisas em si e noutras, opiniões,
hipóteses, teorias;
isto é: palavras.

Sobre o livro fechado
que jazia sobre a erva
pela lua a sua capa iluminada,
mas seu interior às escuras,
descansava uma rã
que ia rondando na sua nocturna ronda.
Oh, Kant, quanto te admiro!



Miguel de Unamuno
de 'Rimas de Dentro' - 1.923
Tardução Rui de Almeida

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