quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ó NOITE, PORQUE HÁS-DE VIR SEMPRE MOLHADA!''




Ó noite, porque hás-de vir sempre molhada!
Porque não vens de olhos enxutos
e não despes as mãos
de mágoas e de lutos!


Poque hás-de vir semimorta,
com ar macerado e de bruxedo,
e não despes os ritos, o cansaço,
e as lágrimas e os mitos e o medo!


Porque não vens natural
Como um corpo sadio que se entrega,
e não destranças os cabelos,
e não nimbas de luz a tua treva!


Porque hás-de vir com a cor da morte
- se a morte já temos nós!
Porque adormeces os gestos,
porque entristeces os versos,
e nos quebras os membros e a voz!


Porque é que vens adorada
por uma longa procissão de velas,
se eu estou à tua espera em cada estrada,
nu, inteiramente nu,
sem mistérios, sem luas e sem estrelas!


Ó noite eterna e velada,
senhora da tristeza, sê alegria!
Vem de outra maneira ou vai-te embora,
e deixa romper o dia!

Eugènio de Andrade

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