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“...Viajava agora com pressa para embarcar no porto de Génova num dos navios que, no princípio do Verão, sobem da Itália para Bruges, Gand e Antuérpia.
Mas já no fim do caminho, a pouca distância de Génova, adoeceu. Foi talvez do sol que o escaldava enquanto cavalgava por vales e montes ou foi da água que bebeu de um poço onde iam à noite beber os sardões.
Tremendo de febre, foi bater à porta dum convento. Os frades que o recolheram tiveram grande trabalho para o salvar, pois o Cavaleiro parecia ter o sangue envenenado e delirava dia e noite. Nesse delírio imaginava que nunca mais conseguia chegar ao seu país, pois Veneza erguia-se das águas e arrastava-o consigo para o fundo do mar, e as estátuas de Florença formavam exércitos de bronze e mármore que não o deixavam passar.
Os frades trataram-no com chás de raízes de flores, com pílulas de aloés, com xaropes de mel e vinho quente, com pós misteriosos e emplastros de farinha e ervas. A febre foi baixando lentamente e só acabou de todo ao fim de um mês e meio. Então o Cavaleiro quis seguir viagem, mas estava tão fraco, magro e pálido que os frades não o deixaram partir.
Teve de esperar mais um mês no pequeno convento calmo e silencioso. Estendido na sua cela caiada escutava o murmurar das fontes na cerca e os cânticos dos religiosos. Depois, à tarde, passeava no claustro quadrado admirando nas paredes as suaves pinturas dos frescos que contavam os milagres maravilhosos dos santos. Na parede da direita via-se Santo António pregando aos peixes e na parede da esquerda via-se São Francisco fazendo um pacto com o lobo de Gubbio.
No meio do claustro corria uma fonte e em sua roda cresciam cravos e rosas brancas. No céu azul as andorinhas cruzavam o seu voo.
E das colunas, do murmúrio da fonte, das flores, das pinturas e das aves erguia-se uma grande paz como se os homens, os animais, as plantas e as pedras tivessem encontrado um reino de aliança e de amor.
Nesta paz as forças do cavaleiro cresciam dia a dia até que, a cabo de cinco semanas de descanso, ele pôde despedir-se dos frades e continuar o seu caminho.
Então dirigiu-se para Génova.
Mas quando chegou ao grande porto do mar era já o fim de Setembro e os navios que seguiam para a Flandres já tinham partido todos. Percorreu o cais, falou com os capitães, foi à casa dos armadores. A resposta que lhe davam era sempre a mesma: só daí a vários meses poderia arranjar navio para a Flandres.
Primeiro o Cavaleiro ficou desesperado com estas notícias e durante dois dias não comeu nem dormiu. Mas depois recuperou o ânimo e resolveu seguir viagem por terra, a cavalo, até Burges.
Atravessou os Alpes, atravessou os campos, as planícies, os vales e as montanhas da França.
Agora só parava para comer e dormir, ansioso de chegar antes do Natal à sua terra.
Mas quando chegou à Flandres era já Inverno e sobre os telhados e os campos caía a primeira neve.
O Cavaleiro dirigiu-se para a Antuérpia e aí procurou o negociante flamengo, para o qual o banqueiro Averardo lhe tinha dado uma carta.
Encontrou o negociante em sua casa, aquecendo as mãos à lareira, vestido com uma bela roupa de pano verde, larga e debruada de peles pretas. O flamengo recebeu o viajante com grande amabilidade e convidou-o para ficar em sua casa.
Mal se sentaram para jantar o Cavaleiro espantou-se com o paladar da comida que estava temperada com especiarias para ele desconhecidas.
O negociante riu-se, abanou a cabeça e disse:
- Vê-se que conheces mal o mundo novo.
Indignado com estas palavras o Cavaleiro começou a narrar a sua viagem.
Quando ele terminou o flamengo disse:
- Contaste uma bela história, mas daqui a pouco vai chegar alguém que te contará histórias muito mais espantosas.
De facto, passado pouco tempo, bateram à porta da casa, ouviram-se passos na escada, e depois penetrou na sala um homem alto e forte, de aspecto rude, pele queimada pelo sol e andar baloiçado.
-Este é um dos capitães dos meus navios – disse o negociante -. Voltou à dois dias duma viagem.
O recém-chegado poisou em cima da mesa dois pequenos cofres e disse:
- Aqui estão três amostras das mercadorias que trago.
O primeiro cofre estava cheio de pequenas pérolas, o segundo cofre estava cheio de oiro e o terceiro cofre estava cheio de pimenta.
Espantou-se o Cavaleiro com aquilo que via, pois naquele tempo a pimenta era quase tão rara como o oiro.
O dono da casa pôs mais lenha na lareira, serviu vinho aos seus hóspedes, e os três homens sentaram-se em frente do lume.
Então, a pedido do negociante, o capitão começou a falar das suas viagens. Contou como desde muito novo tinha seguido a carreira de marinheiro viajando por todos os portos da Europa desde o mar Báltico até ao Mediterrâneo. Mas era sobretudo entre a Flandres e os portos da Península Ibérica que viajava. Um dia, porém, teve desejo de ir mais longe, de ir até às terras desconhecidas que surgiam do mar. Então resolveu alistar-se nas expedições portuguesas que navegavam para o sul à procura de novos países. Veio a Lisboa e aí embarcou numa caravela que partia a reconhecer e a explorar as costas de África.
Seguiram das margens do Tejo para as Canárias, onde pararam alguns dias. Depois continuaram viagem, aproximaram-se da terra africana, dobraram o cabo Bojador e seguiram, à vista das costas desertas, queimadas pelo sol, sem árvores, e sem homens. Junto ao cabo Branco ancoraram o navio num abrigo formado por altos penedos. Então os homens de pele sombria, envolvidos em mantos flutuantes e montados em camelos, vieram à orla da praia negociar com os portugueses. E as caravelas continuaram a navegar para o sul, muito para o sul. Uma brisa constante inchava as grandes velas e os mastros e os cabos gemiam docemente. Até que, para além das intermináveis costas nuas e vazias, sem árvores e sem sombra, surgiam as primeiras palmeiras. Depois começaram a aparecer espessas e verdes florestas que cobriam toda a terra desde as praias brancas até aos montes azulados. E dessas florestas surgiam homens nus e negros que embarcavam em pirogas e rodeavam os navios. Os marinheiros portugueses traziam ordem de se entenderem com eles. Mas isto era difícil. Em geral as pirogas não chegavam ao alcance dos navios e outras vezes mesmo os negros desapareciam entre o arvoredo mal as caravelas ancoravam. Então os marinheiros que desembarcaram eram recebidos com flechas envenenadas dos homens escondidos.
Porém, havia paragens onde os africanos e os portugueses já se conheciam e negociavam. E às vezes, em lugares da costa onde nunca um navio tinha parado, acontecia serem acolhidos com festa e alvoroço. Então, bailando e cantando, os negros vinham ao encontro dos navegadores que, para corresponderem ao bom acolhimento, bailavam e dançavam também à moda da sua terra...”
(CONTINUA)
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