terça-feira, 10 de julho de 2012

POEMA VI


Joaquim Pessoa 








O que perguntas também te interroga.

Os átomos do teu coração são como os átomos

do teu cérebro. O amor é beijado por eles

da mesma maneira, a favor e contra

a tua respiração.

A água do teu corpo tem milhões de anos

e todas as razões que tem o sofrimento.



A ciência é a poesia do concreto

nas gotas, nas pílulas, nos medicamentos

que acabas de ingerir. A tua dor

faz versos.



Corre para a luz. Corre para ti

correndo para fora de ti. Em ti está

tudo o que pode ser amado por ti. Abriste

que porta? Esta? Aquela? Porquê? Para quê? Sabes

a resposta não sabendo, a resposta está naquilo

que não sabes, em tudo o que nunca saberás.

Sua excelência o doido, o mais são do que a terra

e a luz, o mais puro que a dúvida,

busca-se em si e procura-se nos outros.

És tu, aquele que do mundo é número e lembrança.

Acorres a ti mesmo com um pássaro no ombro.

És náufrago na pequena ilha da tua rua,

da tua cidade, do teu mundo.

E acenas. Acenas. Acenas.



Os barcos reflectidos nos teus olhos

não navegam em nenhum mar, nem sequer

do outro lado da rua. Esses barcos não existem.

Existes tu, a navegar, a correr à tua volta.

Se bem que te não digas, o sofrimento sossega-te,

envolve-te, aconchega-te. Colocas

ambas as mãos à frente do rosto, espreitas

para dentro de uma montra

para dentro de um peito,

para dentro de uma luz.

E perguntas-te: o quê?



E há um poema que é a química de ti.

E há um pensamento que é uma química de ti.

E há uma dor que é uma química de ti.

E tu és uma química e uma dor

e um pensamento e um poema.



Tu hás-de compreender.


in O POUCO É PARA ONTEM, Litexa, 2008

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